A exceção que ainda revela a regra

Artigo do diretor-geral da Enfam, ministro Benedito Gonçalves, publicado no Jornal O Globo desta quinta-feira (20)

Foto: Guito Moreto/Agência O Globo

Como escreveu Lázaro Ramos, em “Na minha pele”: “Talvez o perverso preço de ocupar certos lugares seja não poder mencionar quanto esse lugar é difícil de alcançar para pessoas que são iguais a você”.

Essa frase descreve, com precisão dolorosa, a experiência de quem rompe barreiras históricas e, ao mesmo tempo, carrega a consciência de que sua presença não é o retrato do país — é exceção que ainda revela a regra. Ocupo um desses lugares. Ser, até hoje, o único ministro negro no Superior Tribunal de Justiça é honra, sim, mas é sobretudo alerta. O trajeto que percorri permanece inacessível para a imensa maioria da população negra. Esse dado denuncia a persistência de uma estrutura que, por muito tempo, naturalizou desigualdades.

Hoje, a população negra continua enfrentando os maiores índices de violência, os menores rendimentos, os obstáculos mais duros na educação e a menor presença nos espaços de decisão. Não se trata de percepção subjetiva; são dados concretos. Segundo o IBGE (2022), 40% das pessoas pretas ou pardas estavam em situação de pobreza, percentual quase duas vezes maior que o registrado entre a população branca (21%). Esses e outros indicadores não são abstrações estatísticas; são vidas concretas, nomes, famílias, sonhos interrompidos.

O mesmo cenário se revela no acesso à Justiça. Não se fala em democracia real quando a Justiça não chega a todos. É essencial abrir as portas das carreiras jurídicas para que mais pessoas negras estejam julgando, decidindo, defendendo, ensinando. É preciso também garantir que pessoas negras ocupem os espaços de direção, chefia e formulação institucional.

Hoje, a população negra continua enfrentando os maiores índices de violência, os menores rendimentos, os obstáculos mais duros na educação e a menor presença nos espaços de decisão. Não se trata de percepção subjetiva; são dados concretos. Segundo o IBGE (2022), 40% das pessoas pretas ou pardas estavam em situação de pobreza, percentual quase duas vezes maior que o registrado entre a população branca (21%). Esses e outros indicadores não são abstrações estatísticas; são vidas concretas, nomes, famílias, sonhos interrompidos.

O mesmo cenário se revela no acesso à Justiça. Não se fala em democracia real quando a Justiça não chega a todos. É essencial abrir as portas das carreiras jurídicas para que mais pessoas negras estejam julgando, decidindo, defendendo, ensinando. É preciso também garantir que pessoas negras ocupem os espaços de direção, chefia e formulação institucional.

Mas é preciso dizer também que a história negra no Brasil não se resume à dor, à resistência ou à exclusão. Foram pessoas negras que impulsionaram a luta pela escolarização em massa, que mantiveram vivas línguas, religiões e tradições, para citar apenas algumas conquistas históricas.

Hoje, intelectuais negros, professores, cientistas, advogados, artistas, servidores públicos, juízas e juízes seguem ampliando territórios e produzindo conhecimento que renova o país. Cada passo dado — por mais árduo que tenha sido — não foi concessão; foi construção coletiva.

Reconhecer essas conquistas não diminui a luta; fortalece-a.

Martin Luther King nos ensinou que a verdadeira medida de uma pessoa não se revela nos momentos de conforto, mas na forma como se posiciona diante dos desafios. E este é, sem dúvida, um dos grandes desafios do Brasil contemporâneo.

O país que Zumbi sonhou não é memória remota. Ele continua a nos chamar — como promessa e como tarefa. Honrá-lo exige mais do que lembrança; exige coragem, constância e ação. Sempre.