A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em colaboração com o Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), realizou, na segunda-feira (25/10), a sexta aula do “Ciclo de estudos: controle judicial da atividade policial”. Nessa edição, o tema central foi “In dubio pro reo diante da palavra dos policiais: a primazia da regra constitucional”.
Os expositores discutiram o princípio que prevê o benefício da dúvida em favor do réu
A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em colaboração com o Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), realizou, na segunda-feira (25/10), a sexta aula do “Ciclo de estudos: controle judicial da atividade policial”. Nessa edição, o tema central foi “In dubio pro reo diante da palavra dos policiais: a primazia da regra constitucional”.
A aula foi dividida em dois painéis, cujos temas foram “O valor da versão policial em juízo”, apresentado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Reis Júnior, e “A inconstitucional presunção de veracidade da versão policial”, apresentado pela desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) Salise Sanchotene.
In dubio pro reo é um princípio fundamental em Direito Penal, que prevê o benefício da dúvida em favor do réu, isto é, em caso de dúvida razoável quanto à culpabilidade do acusado, nasce em favor deste a presunção de inocência, uma vez que a culpa penal deve restar plenamente comprovada.
A abertura do evento coube à desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Kátia Maria Amaral Jangutta, que, antes de passar a palavra aos convidados, classificou o assunto como aflitivo e perturbador para o julgador. “Esse sempre é um tema bastante preocupante, quando temos apenas a palavra dos policiais como prova e, em contrapartida, uma negativa do réu”, disse a magistrada.
Versão policial em juízo
O ministro Sebastião Reis Júnior, durante sua exposição, enfatizou a delicadeza do tema e manifestou a possibilidade de se repensar a jurisprudência que vigora nos Tribunais Superiores. O ministro destacou o seguinte trecho do livro “Sentenciando tráfico: pânico moral e estado de negação formatando o papel dos juízes no grande encarceramento”:
“Das testemunhas arroladas pela acusação, 90,46% são provenientes das Forças de Segurança. Sendo 58,17% de policiais militares, 22,12% de policiais civis, 5,21% de policias militares ou civis não discriminados, 1,86% de guardas metropolitanos, 1,55% de agentes penitenciários e esse mesmo tanto de policiais federais. No conjunto de agentes de segurança, os PMs representam, aproximadamente, 2/3 das testemunhas.”
O ministro destacou ainda que “esses números, por si, mostram a importância de se discutir a questão e a relevância desse tipo de depoimento no processo penal brasileiro”, destacou o ministro.
Outra questão a ser considerada, segundo o magistrado, é que os crimes comuns, na maioria das vezes, são iniciados com flagrante, fato que dá ainda mais relevância ao depoimento dos agentes de segurança. Citando dispositivos do Código Penal, Sebastião Reis Júnior afirmou que, em regra, todos podem ser arrolados como depoentes, portanto, não há nada que impeça os relatos dos agentes de segurança, mesmo quando eles tiverem sido os responsáveis diretos pela prisão ou as únicas testemunhas a presenciarem o fato em investigação.
O ministro também citou um texto do professor titular de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró, que trata das atuais correntes sobre o tema no Direito brasileiro. O magistrado explicou que uma das vertentes entende que o fato de a testemunha ser um policial, por si só, já o torna impedido de depor, mesmo não havendo qualquer disposição legal nesse sentido. Por outro lado, o entendimento é o de que os policiais, pela simples condição funcional, seriam suspeitos, por isso deveria prevalecer, segundo o autor, uma posição intermediária.
Presunção de veracidade
Já a desembargadora do TRF4 Salise Sanchotene diferenciou a presunção da veracidade entre o Direito administrativo, cuja finalidade é assegurar o exercício do poder estatal com base nos atos administrativos praticados por seus agentes públicos, e o escopo do processo penal, que visa a garantia individual e serve como instrumento de contenção do poder estatal e garantidor dos direitos fundamentais.
“Essa dicotomia, esse choque aparente se expressa, e, em muitos países, a regra tem sido a mesma que adotamos no Brasil. Os tribunais aceitam a palavra dos policiais como prova para embasar uma condenação, desde que esse depoimento seja prestado em juízo, mediante o devido contraditório, mas não há um aprofundamento sobre esse debate nem aqui nem no exterior”, enfatizou a desembargadora.
Salise Sanchotene apresentou a compilação de alguns julgados do STF que demonstram a adoção dos depoimentos policiais como forma de convicção do magistrado para condenar, e discorreu sobre o enunciado do Superior Tribunal de Justiça que trata da falta grave na execução penal e que determina que a palavra dos agentes penitenciários na apuração da falta é prova idônea para o convencimento do magistrado.
A desembargadora observou ainda que os depoimentos dos agentes de segurança guardam dupla função no processo penal. O primeiro deles na fase pré-processual, quando são colhidos os relatos dos policiais na fase inicial do inquérito, que servem de base para que o juiz possa, na audiência de custódia, entender o contexto do flagrante e quais são os elementos de materialidade e de autoria presentes para, então, determinar a manutenção da prisão, converter o flagrante em prisão preventiva ou impor medidas cautelares. A segunda função é quando o depoimento serve para fundamentar a sentença como elemento de prova, que deve ser valorado pelo magistrado.
Clique aqui a íntegra da aula, disponível no perfil da Enfam no YouTube.