Coordenadores falam sobre Justiça Restaurativa e curso realizado pela Enfam

Em 2016, a Resolução 225 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu a Política Pública Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário. O objetivo da norma era a criação e consolidação de uma identidade e da qualidade na metodologia de solução de conflitos na esfera criminal, com a definição de regras específicas para […]

Em 2016, a Resolução 225 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu a Política Pública Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário. O objetivo da norma era a criação e consolidação de uma identidade e da qualidade na metodologia de solução de conflitos na esfera criminal, com a definição de regras específicas para que não houvesse desvirtuamento ou banalização.

Conjunto de princípios, métodos, técnicas e atividades que conscientizam sobre fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, a Justiça Restaurativa busca abordagens para a concretização da Justiça de uma forma mais humana e efetiva.

Neste mês, O CNJ e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) começaram um conjunto de ações educacionais para a implementação e aprimoramento da Justiça Restaurativa nos tribunais do país. Está em andamento na Escola o curso Fundamentos para implementação da justiça Restaurativa dos tribunais. São mais de 400 participantes compartilhando e conhecendo metodologias diversas, como os círculos de construção de paz, procedimentos restaurativos vítima-ofensor-comunidade (VOC) e conferências de grupo familiar com espaço para debates e troca de experiências.

Para falar sobre a Justiça Restaurativa, sua implementação e o próprio curso os coordenadores da ação educacional, os juízes Kátia Roncada, Jurema Gomes e Marcelo Salmaso responderam a perguntas do núcleo de comunicação da Enfam.

Em um mundo em constante mutação, tendo em vista a violência e a complexidade das relações humanas, surgiu a necessidade de se pensar em novas formas de lidar com os conflitos. Como a Sra. avalia a importância da Justiça Restaurativa para o aprimoramento do Judiciário brasileiro?

Boa parte das pessoas no mundo – o que se observa também na sociedade brasileira –, integra sistemas de convivência humana pautados pelas diretrizes do individualismo, do utilitarismo, do consumismo e da exclusão, as quais fomentam a competição, a dominação, o aniquilamento do outro, os discursos de ódio, a guerra. Inseridos em tal lógica, grande parte dos seres humanos estão submetidos à violência, não somente àquelas de ordem física e psíquica, mas também à violência estrutural e cultural, contexto este que se mostra como um fomentador de comportamentos de violência e transgressão.

Em assim sendo, para o entendimento da Justiça Restaurativa em sua profundidade e potência, cabe delinear que, diante da complexidade dos fenômenos conflito e violência, devem ser considerados tanto os seus aspectos individuais e relacionais, sem deixar de lado a responsabilidade de cada um pela própria conduta, mas também aqueles comunitários, institucionais e sociais que contribuem para seu surgimento, com fluxos e procedimentos que cuidem de todas essas dimensões e promovam mudanças de paradigmas, bem como provendo-se espaços apropriados e adequados para que aconteçam.

A partir dessa premissa, a Resolução nº 225/2016, marco normativo da Justiça Restaurativa no país, solidifica o entendimento da Justiça Restaurativa para muito além de um método de resolução de conflitos – apesar de conter um leque deles –, como uma verdadeira proposta de mudança dos paradigmas de convivência, voltada à conscientização dos fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores da violência e da transgressão, de forma a envolver todos os integrantes da sociedade como sujeitos protagonistas da transformação rumo a uma sociedade mais justa e humana, como se vê em seu artigo 1º.

E a normativa traz balizamentos principiológicos e de fluxo mínimos para a Justiça Restaurativa, de forma a definir sua identidade e a encorajar os Juízes a propor a sua implementação, evitando-se desvios perigosos e indesejados. Mas, a Resolução CNJ nº 22/2016 estabelece tais definições a partir de contornos e com formato aberto o suficiente para que os diversos modelos de implementação, de estruturação, de formação e de práticas desenvolvidos nas diferentes regiões do país sejam respeitados, desde que de acordo com a moldura formada pelos princípios restaurativos, a fim de não engessar a Justiça Restaurativa em modelos únicos, personalizados, rígidos e fechados.

Ademais, ainda que voltada ao âmbito do Poder Judiciário, como não poderia deixar de ser, dados os limites das atribuições e da competência normativa do CNJ, a Resolução CNJ nº 225/2016 procurou ressaltar que a Justiça Restaurativa é de responsabilidade de todos. Portanto, ela incentiva que, quando os Tribunais e seus Juízes são aqueles que iniciam os programas e projetos de Justiça Restaurativa – o que tem se mostrado importante para a sustentação da Justiça Restaurativa, dada a sua posição de legitimidade e de garantidores dos Direitos Fundamentais –, estes dialoguem e se articulem com a sociedade civil e com as demais instituições públicas e privadas para a formação de um coletivo comunitário que enraíze a Justiça Restaurativa como política.

O desenho normativo estrutural da Política Nacional de Justiça Restaurativa passa, ainda, pelo incentivo, aos Tribunais, quanto à implantação e implementação, ou fortalecimento de programas, projetos e ações de Justiça Restaurativa, em toda a sua completude, sempre com respeito às características locais e à autonomia dos Tribunais decorrente do próprio Pacto Federativo, conforme artigos 5º e 6º, 16, 18 e 28-A, da Resolução CNJ nº 225/2016.

Referidas diretrizes ganham concretude no Planejamento da Política Nacional de Justiça Restaurativa, que foi construído pelo Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do CNJ, entre 2018 e 2019, e aprovado pelo Plenário do CNJ, em dezembro de 2019. Esse Planejamento prevê a criação, por parte de cada Tribunal, de um órgão central de macro gestão e coordenação, com característica plural, e que busque promover a intersetorialidade, a interinstitucionalidade, a interdisciplinaridade, alocando-o institucionalmente no âmbito mais adequado, de acordo com a sua avaliação e as circunstâncias próprias. Compete, ainda, aos Tribunais, em parceria com as Escolas Judiciais e da Magistratura, promover cursos de formação sobre o tema, com qualidade, e, sem prejuízo, cabe-lhes implantar ou expandir espaços qualificados nos quais se desenvolverão as práticas restaurativas, com fluxos internos e externos, o que traz a necessidade de articulação com órgãos e instituições, públicas e privadas, e com a sociedade civil, para atuação tanto voltada ao conflito, como também preventiva.

Já existem abordagens modernas para a solução de conflitos sendo adotadas por alguns tribunais brasileiros e um dos pontos da ação é o aprimoramento dessas técnicas. Como se dará esse aperfeiçoamento no curso? Há um espaço para a troca de experiências e avaliação destas?

Como dito, o Conselho Nacional de Justiça e seu Comitê Gestor da Justiça Restaurativa têm o compromisso de avançar na implementação de uma Justiça Restaurativa consistente e de qualidade, que seja um instrumento de verdadeira transformação, tornando realidade a Política Nacional de Justiça Restaurativa para todo o país e envolvendo o maior número de Tribunais e de pessoas.

O artigo 28-A da Resolução CNJ nº 225/2016, acrescentado pela Resolução CNJ nº 300/2019, dispõe que os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais deverão, no prazo de cento e oitenta dias, apresentar, ao Conselho Nacional de Justiça, plano de implantação, difusão e expansão da Justiça Restaurativa.

A fim de dar suporte aos Tribunais no cumprimento do referido dispositivo, auxiliando-os na construção de programas e projetos de Justiça Restaurativa estruturados e qualificados de acordo com as diretrizes delineadas na referida Resolução CNJ nº 225/2016, o CNJ e a ENFAM promovem o presente curso Fundamentos para a Implantação da Justiça Restaurativa nos Tribunais.

Por meio dele, objetiva-se que magistrados, servidores e parceiros institucionais desenvolvam competências e habilidades no sentido de compreender conceitos e metodologias relativos à Justiça Restaurativa, considerando as diferentes perspectivas teóricas, e possam atuar em programas de Justiça Restaurativa e protagonizar a gestão dos projetos locais.

A formação, que agora se inicia, é um divisor de águas, pois levará aos Tribunais, especialmente àqueles que se encontram em processo de implantação da Justiça Restaurativa, os conhecimentos necessários à estruturação de uma política de Justiça Restaurativa profunda, que conecta o Poder Judiciário à sociedade rumo a uma sociedade mais justa e humana.

Vale ressaltar que, de fato, existem outros movimentos desenvolvidos no contexto do Poder Judiciário, que buscam lidar com conflitos, como a Conciliação e a Mediação, as Constelações Familiares, dentre outros. Estes e a Justiça Restaurativa estão, filosoficamente, compreendidos e orientados sob o “grande chapéu” da Cultura da Não Violência, e comungam alguns princípios comuns.

Todavia, apesar desse referencial comum, tais movimentos configuram-se como ações distintas e têm as suas próprias histórias, que foram construídas, com muito esforço e cuidado, a partir de caminhos e protagonistas diversos, com suas próprias identidades conceituais, principiológicas, estruturais e de desenvolvimento.

Portanto, o curso Fundamentos para a Implantação da Justiça Restaurativa nos Tribunais visa a contribuir para a construção, pelos Tribunais em parceria com os demais setores da comunidade, de uma política voltada à Justiça Restaurativa, promovendo trocas de experiências relacionadas a ela especificamente.

De maneira geral, como tem sido a resposta dos alunos ao curso?

O que se percebe, especialmente pelas manifestações nos fóruns de reflexão e debate e, ainda, nas rodas de conversa on-line – metodologias ativas utilizadas no curso para a construção coletiva do conhecimento –, é que os alunos, em geral, a partir da apropriação dos conteúdos disponibilizados por meio dos textos e vídeos, e das aulas síncronas (ao vivo), e da interação nas referidas metodologias, permitem-se, com entusiasmo, refletir sobre as suas crenças e práticas, em busca de autotransformação, no sentido de revisitar suas crenças e teorias acerca das questões que envolvem a convivência, o conflito e a violência.

Essas reflexões sobre si mesmos, como seres humanos multidimensionais, aliadas ao desenvolvimento de competências voltadas à compreensão do sentido profundo da Justiça Restaurativa e dos elementos para a sua estruturação, são a base para qualquer processo de implantação de programas e projetos de Justiça Restaurativa e para as transformações por ela pretendidas.