A discussão sobre a importância de uma cultura de formação de precedentes na Justiça brasileira marcou nesta quarta-feira (6) a abertura do 1º Curso Nacional sobre Precedentes Judiciais, que acontece até sexta (8) no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Realizada pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), a ação educacional integra o programa […]
A discussão sobre a importância de uma cultura de formação de precedentes na Justiça brasileira marcou nesta quarta-feira (6) a abertura do 1º Curso Nacional sobre Precedentes Judiciais, que acontece até sexta (8) no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Realizada pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), a ação educacional integra o programa de formação continuada de magistrados e é computada para fins de vitaliciamento e promoção na carreira.
Nesses três dias, os participantes vão discutir aspectos teóricos e práticos do sistema de precedentes instituído pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015. O diretor-geral da Enfam, ministro Herman Benjamin, explicou que a ideia é fazer uma sequência de cursos regionais para ajudar na criação de uma cultura de precedentes no país.
“Nós não trabalhamos ainda, de forma adequada, a questão dos precedentes”, afirmou. O ministro ressaltou o trabalho da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, integrada pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino (presidente), Assusete Magalhães e Rogerio Schietti Cruz, os quais também são coordenadores científicos do curso.
Segurança jurídica
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, destacou que a crescente sobrecarga de processos resultante da alta judicialização e do exercício do direito de ação trouxeram um grande desafio ao Poder Judiciário, que é o de fazer frente a essa demanda e, ao mesmo tempo, manter a garantia de acesso à Justiça, a duração razoável do processo, a qualidade da prestação jurisdicional, a motivação, a hermenêutica de subsunção e a uniformidade.
“A efetiva observância dos precedentes judiciais auxiliará não somente o STJ, enquanto unificador da jurisprudência infraconstitucional, como também trará mais segurança e produtividade aos juízos de primeiro e segundo graus, que terão um norte para seguir quando se depararem com teses jurídicas firmadas nas instâncias superiores”, afirmou o ministro.
Para a vice-presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, há grande inquietação e prejuízo à Justiça quando os precedentes com carga vinculante são estabelecidos, mas não são observados pelos juízos dos tribunais locais.
Articulação com tribunais
Integrante da Comissão Gestora de Precedentes, a ministra Assusete Magalhães ressaltou que o STJ está empenhado em desenvolver um trabalho de interlocução e de parceria com todo o Judiciário brasileiro, mais notadamente com os tribunais de segundo grau, para incentivar e fortalecer o modelo de criação de precedentes qualificados concebido pelo CPC/2015 e, assim, reduzir o número de recursos em tramitação.
Ela lembrou que a comissão tem visitado os maiores tribunais do país para levar a mensagem de incentivo à criação dos precedentes e à seleção de recursos que possam ser enviados ao STJ para posterior afetação como repetitivos – estimulando, assim, uma mudança na cultura do Judiciário. “É preciso, diante do novo CPC, que todos nós do Judiciário, em todas as instâncias, assimilemos essa cultura de formação de precedentes qualificados e trabalhemos para a sua efetiva implementação”, disse.
O ministro Rogerio Schietti Cruz parabenizou a iniciativa da Enfam e ressaltou a relevância e atualidade do tema, que não é estudado nas faculdades como uma disciplina, mas é construído na jurisdição com o auxílio da doutrina.
A abertura do curso contou também com a presença dos ministros Og Fernandes e Moura Ribeiro.
Cadeia de competência
Na palestra inaugural, o vice-presidente do Conselho Federal da OAB, Luiz Viana Queiroz, destacou o papel dos magistrados de primeiro grau na construção do sistema de precedentes. Para ele, quando se pensa na maneira como o tema foi instituído pelo CPC, a tendência é olhar sempre para cima, para os tribunais superiores.
Contudo, observou que os precedentes começam a ser formados já na primeira instância. “São os juízes de primeiro grau que têm a responsabilidade de começar a construir qual é a razão de decidir daquele caso concreto e que poderá servir de diretriz, não apenas para ele que está julgando, mas para toda a cadeia de competência, se vai chegar ou não na formação de um precedente consolidado”, disse Queiroz.
Paradoxo
Na palestra “Justiça em números e precedentes judiciais”, o ministro Luis Felipe Salomão falou sobre o panorama de litigiosidade no Brasil, em que o número de processos aumentou 80 vezes nas últimas três décadas – situação que trouxe também um crescimento do papel do STJ, com novos temas e demandas.
Segundo ele, no país, há a vigência do princípio da legalidade estrita, em que muitos tribunais interpretam de diferentes formas as diversas leis. Em sua apresentação, citou a recente pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) segundo a qual mais de 50% dos juízes entrevistados disseram não se pautar pela jurisprudência, afirmando que o sistema de súmulas e de precedentes afeta a sua independência.
“Paradoxalmente, para 90% dos entrevistados, os precedentes garantem mais velocidade e segurança jurídica à atividade jurisdicional”, ressaltou Salomão. Para o ministro, esses dados demonstram a necessidade de cursos como o da Enfam para o processo de convencimento de toda a magistratura.
O ministro Marco Aurélio Bellizze afirmou que o STJ demorou a trazer essa discussão ao público. De acordo com ele, é preciso enfrentar essa resistência da magistratura, pois não há afronta à atuação dos julgadores, que têm liberdade de atuação, mas dentro de um sistema legal.
Reflexos no STJ
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, destacou o crescimento do número de ações no tribunal, que em 2018 alcançou a marca de 338.711 novos processos.
“O número de processos aumentou nos últimos anos, e, com a recente aprovação da reforma da previdência, novas demandas surgirão, e os juízes e tribunais precisam se preparar para isso. A formação de precedentes qualificados é essencial para esse trabalho”, lembrou o magistrado.
Sanseverino também falou sobre o trabalho da Comissão Gestora de Precedentes do tribunal, criada com a finalidade de padronizar os procedimentos administrativos decorrentes do julgamento de casos repetitivos e de incidentes de assunção de competência.
“O novo CPC trouxe instrumentos de gestão que nos permitem racionalizar o trabalho, descongestionar o Poder Judiciário, dar mais celeridade aos julgamentos e promover mais segurança jurídica e isonomia. A comissão trabalha para que as demandas repetitivas sejam devidamente identificadas e processadas. O apoio tem sido grande em todas as gestões.”
Sanseverino apresentou ainda um panorama dos recursos repetitivos no STJ: “Já foram afetados 1.034 temas. Desses, foram julgados 802, cancelados 172, e 60 estão pendentes de julgamento”.
Fonte: STJ
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