Enfam debate racismo estrutural, educação e representatividade

Em webinário ocorrido hoje (26), coordenado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz e com abertura do ministro Benedito Gonçalves, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) reuniu magistrados e acadêmicos para falar sobre os desafios da Justiça Brasileira para as questões raciais. O ministro Benedito destacou ação afirmativa recente da Enfam na seleção […]

Em webinário ocorrido hoje (26), coordenado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz e com abertura do ministro Benedito Gonçalves, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) reuniu magistrados e acadêmicos para falar sobre os desafios da Justiça Brasileira para as questões raciais. O ministro Benedito destacou ação afirmativa recente da Enfam na seleção de discentes e docentes da primeira turma de mestrado. Ele destacou a importância da equidade para uma sociedade justa e afirmou que “a igualdade de oportunidades é algo que se vem buscando não só nas políticas públicas, mas em todos os setores”.

O evento contou com a presença da presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Silvia Cerqueira. Segundo ela, o evento é um momento histórico, quando o Judiciário abre as portas para ouvir, em uma interlocução direta com os jurisdicionados e com muitas instituições jurídicas. “É um momento de grande importância porque o debate com as questões raciais e um debate que não é fácil, já dista de 500 anos. A advogada, que se intitula ativista do direito, também falou sobre medidas que poderiam ser observadas como a necessidade da ampliação dos juizados de combate aos crimes raciais. “Esse é um momento extremamente importante para que os senhores e as senhoras possam contribuir conosco, construir conosco e perceber todo o processo discriminatório que sofremos nos balcões e, algumas vezes, até em mesas de audiência”, concluiu.

A fase da negação do racismo acabou

O tema do racismo estrutural e da representatividade foi debatido em duas palestras, mediadas pelos juízes Edinaldo César Santos Júnior, do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), e Fabio Esteves, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). “Abandonamos o discurso da democracia racial, reconhecemos que não vivemos em uma sociedade em que as pessoas são tratadas igualmente e que a cor da sua pele é um marcador importante para demarcar o lugar social de cada indivíduo, pois o racismo está em nossas vidas desde sempre”, destacou a juíza Karen Luise, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), ao falar sobre a importância do webinário e de estudos sobre raça e gênero na formação continuada.

Para ela, o letramento racial é um instrumento muito importante para que magistrados e servidores possam se compreender como indivíduos racistas frutos de uma sociedade racista. “O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo com que se constroem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social. O racismo é estrutural”, afirmou ao destacar que comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é a regra e não a exceção.

A segunda painelista, Adriana Cruz, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reafirmou os pontos destacados por Karen Luíse: “somente com educação a gente chega lá, mas uma educação crítica. Nós precisamos nos criticar”. A juíza federal também destacou a busca por um Poder Judiciário que realmente responda às necessidades da sociedade brasileira, “uma sociedade estruturalmente e hierarquicamente racializada, genderificada”, onde, afirma, os marcadores sociais de gênero, raça e classe determinam como se nasce, como se vive, como se morre.

Representatividade e diversidade

O professor Thiago Amparo destacou a perspectiva histórica e conceitual sobra a questão racial dentro do Judiciário. Ele lembrou que a luta por direitos da população negra no Judiciário e a racialização da Justiça não são de hoje. “Estão na gênese da garantia de direitos, na origem dessa garantia de direitos se a gente olhar pelo aspecto da escravidão”, afirmou.

Para o professor, “pensar sobre a questão racial é pensar sobre a questão da diversidade, de privilégio estrutural e das relações interpessoais. O que estamos fazendo é para que o Judiciário esteja cada vez mais próximo para fazer aquilo que tem que fazer: lidar com os conflitos sociais, e consiga fazer isso da melhor forma possível, uma forma menos hierárquica e menos discriminatória. “Isso é possível! Falar de diversidade, equidade e exclusão é, na verdade, falar de Justiça”, concluiu.

O professor Cléber Lázaro Julião Costa explicou que a questão do racismo “é um tema espinhoso do ponto de vista da própria conjuntura nacional, da história. Ele apresentou dados da última pesquisa elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o perfil da magistratura brasileira. Segundo a estatística, mais de 80% dos juízes no Brasil são brancos, 12% pardos, 1,4% negros e 0,1% indígenas. “Quando a gente fala de representatividade, há uma assimetria muito substantiva em relação à população brasileira que majoritariamente se declara negra e parda, em torno de 54%, com a ocupação desse importante Poder no espaço da democracia brasileira”, ponderou.

Cléber Lázaro ainda sugeriu algumas ações, como o estabelecimento de metas para a admissão de pessoas que pertençam a grupos discriminados, para que a questão da proporcionalidade observe representatividade ao exemplo da população brasileira. “Para que o número de negros e negras da magistratura alcance os 20% demoraria mais 20 anos. Se formos pensar na representatividade comparada à população atual, demoraria 80 anos”, justificou.

A secretária-geral da Enfam falou sobre a importância de ter participado do evento como ouvinte. “O reconhecimento da desigualdade é muito importante para a mudança”, destacou. Ela ainda falou sobre as ações afirmativas adotadas pela Enfam, mas reconheceu que houve uma demora para reconhecer que era preciso mais assertividade na diminuição da desigualdade no sistema de justiça e na formação de magistrados. “Eu gostaria de agradecer aos colegas por continuarem falando, porque estou aqui como uma daquelas que precisa ouvir e precisa aprender”, finalizou.

O evento foi encerrado pelo ministro Herman Benjamin, diretor-geral da Escola, que afirmou que “esse é um trabalho que está apenas começando. A Enfam continuará investindo nesse componente essencial da formação dos juízes”.

O evento pode ser visto na íntegra no Canal da Enfam no YouTube.