Instituições ampliam debates acerca do tema
A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de seu Comitê Gestor de Acessibilidade e Inclusão, realizaram nesta sexta-feira um evento híbrido para celebrar e refletir sobre os 10 anos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão – LBI). O encontro reuniu especialistas, juristas e magistrados e evidenciou os avanços, desafios e as perspectivas para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência no Brasil, reafirmando o compromisso da Escola com a formação de juízes para uma justiça cada vez mais acessível e inclusiva.
As discussões, que se estenderam ao longo do dia, abordaram desde os impactos da legislação no mundo jurídico até questões fundamentais como o conceito social da deficiência na concessão de benefícios e a capacidade jurídica da pessoa com deficiência.
Impacto do conceito social da deficiência na concessão de benefícios
O primeiro painel da tarde debateu a evolução dos modelos de deficiência e as barreiras que ainda persistem no acesso a direitos. A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Liliane Cristina Gonçalves Bernardes guiou os participantes por uma jornada histórica, desde o modelo caritativo até os mais recentes, como o biopsicossocial e o de direitos humanos.
Ela destacou que a deficiência é um conceito em evolução, que resulta da interação de impedimentos individuais e barreiras atitudinais e ambientais impostas pela sociedade. Bernardes criticou o “caráter binário” das políticas públicas, que muitas vezes reforçam desigualdades ao tratar pessoas com deficiências leves e graves da mesma forma. “A deficiência não é apenas sobre estruturas e funções do corpo – uma pessoa pode ter uma deficiência grave e outra uma deficiência leve com a mesma alteração corporal, somente em razão do contexto em que vivem.”
A juíza federal da Seção Judiciária de São Paulo (TRF3) Katia Hermínia Martins Lazarano Roncada complementou o debate enfatizando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) como norma constitucional e reforçando que “deficiência não é doença, é uma expressão da diversidade humana”.
Capacidade Jurídica da Pessoa com Deficiência
O segundo painel, mediado pelo ministro Sérgio Kukina, aprofundou a discussão sobre a capacidade jurídica das pessoas com deficiência, um dos pilares da LBI. A pós-doutora em Direito Joyceanne Menezes e a juíza do Tribunal de Justiça da Bahia Patrícia Cerqueira trouxeram perspectivas essenciais para o entendimento do tema.
Joyceanne Menezes abordou a evolução do conceito de capacidade jurídica à luz da CDPD e da LBI. Ela esclareceu que a capacidade jurídica e a capacidade mental são conceitos distintos, e que a capacidade jurídica, que é a capacidade de ser titular de direitos e obrigações, deve ser assegurada a todas as pessoas com deficiência em igualdade de condições. “A capacidade jurídica e a capacidade mental são conceitos distintos. A capacidade jurídica é a capacidade de ser titular de direitos e obrigações (capacidade legal) e de exercer esses direitos e obrigações. Essa é a chave para uma participação verdadeira na sociedade.”
Para Joyceanne, “a capacitação é fundamental e a Enfam, junto com as escolas judiciais estaduais, tem feito brilhantemente esse papel. Ainda há necessidade de capacitação no Poder Judiciário. Um outro pedido é que as pessoas fiquem atentas ao Projeto de Lei n. 04 de 2025, pois há um risco de retrocesso no que diz respeito à capacidade jurídica”.
A juíza Patrícia Cerqueira explorou os direitos das pessoas em situação de supervulnerabilidade e a transformação da visão jurídica. “Não há mais incapacidade absoluta por deficiência psíquica/intelectual”, disse ela.
Cerqueira detalhou como a LBI, em consonância com a CDPD, consagra a plena capacidade civil da pessoa com deficiência e estabelece a curatela como uma medida extraordinária, proporcional e temporária, restrita a atos patrimoniais e negociais. Em sua fala, Patrícia enfatizou a necessidade de uma abordagem mais integrada e humanizada do Judiciário. “A gente precisa pensar em juízos privativos, precisamos pensar redes, redes de juízos especializados com a presença de diversos órgãos, um pool de serviços. É preciso lembrar que por trás de qualquer diagnóstico existem pessoas e histórias que merecem respeito”, defendeu.
O ministro Kukina reiterou que a Enfam seguirá firme com seu papel essencial na promoção desses debates e na formação contínua dos magistrados brasileiros. “É hora de resgatar uma justiça inclusiva e fraterna”, se referindo à garantia de que o Poder Judiciário esteja apto a aplicar a LBI em sua plenitude, reconhecendo a dignidade e a plena capacidade de cada pessoa com deficiência construir uma sociedade mais justa e acessível para todos.
