Primeira magistrada tetraplégica do TJSP participou da Formação Inicial na Enfam

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), com suas atribuições e ações educacionais, tem entre seus objetivos contribuir para uma justiça mais inclusiva e empática. Histórias como a de Rebecka Martins Gomes, primeira magistrada tetraplégica do Estado de São Paulo, demonstram que a perseverança e a representatividade são fundamentais para uma justiça mais equitativa.
Rebecka participou na semana passada do Módulo Nacional de Formação Inicial da Enfam e traz consigo uma vivência que transcende os códigos e doutrinas. Inicialmente, desejava que seu trabalho fosse reconhecido unicamente por sua competência, sem que sua condição de pessoa com deficiência fosse um diferencial. Contudo, o início da carreira na magistratura lhe trouxe uma nova perspectiva.
“Eu tinha uma visão de não querer ser conhecida como a pessoa cadeirante que virou juíza, mas, depois que eu entrei, comecei a receber alguns feedbacks, especialmente por redes sociais, e me dei conta de que são pouquíssimas pessoas com deficiência, cujas limitações são maiores – como é o meu caso, que sou tetraplégica –, a ocuparem lugares no Poder Judiciário, especialmente em lugares de autoridade”, explicou.
Essa percepção a fez entender a vital importância de não desvincular sua deficiência de sua atuação profissional. “É importantíssimo que eu não desvincule para que outras pessoas que estão sendo invisibilizadas possam ter acesso a esse benefício, que é o fato de eu ser a primeira juíza cadeirante de São Paulo e talvez do Brasil”, destacou.
Para a juíza, a inclusão de magistrados com diferentes perfis é um imperativo. “Nós precisamos de pessoas no Judiciário que entendam aquelas outras pessoas que estão julgando. O Judiciário precisa ser imparcial, mas não indiferente. Então, hoje, se eu tratar de pessoas que têm maiores limitações no acesso a direitos fundamentais, eu sei o que é estar na pele, no corpo delas.”
Acessibilidade: pilar da Justiça inclusiva
Atuando em sintonia com as expectativas da sociedade e para tornar o Judiciário mais diverso e inclusivo, a Enfam fortalece sua parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), através do projeto Formação Judicial Qualitativa.
A iniciativa colabora especialmente para o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16, que trata de Paz, Justiça e Instituições Eficazes, e suas ações permeiam outros ODS, como o 10, que busca a Redução de Desigualdades. A Enfam, no ano em que se celebra uma década da Lei Brasileira de Inclusão, tem intensificado seus debates e ações em prol da acessibilidade e da equidade. O secretário-geral da Escola, Ilan Presser, destaca que a aprovação e posse de Rebecka na magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), assim como sua participação na ação formativa da Enfam representam um marco simbólico e concreto do compromisso por uma Justiça mais inclusiva.
“A chegada da primeira juíza cadeirante ao TJSP coincide com o ano em que a Lei Brasileira de Inclusão completa 10 anos. É importante ressaltar que a sua presença na ação formativa da Escola está diretamente alinhada aos objetivos do projeto em parceria com o PNUD. Espero que a chegada da Rebecka na magistratura nos inspire e mobilize no fortalecimento de uma educação judicial acessível, inclusiva e comprometida, de forma efetiva, com a igualdade material de oportunidades”, defende.
Atento a essas questões, o projeto contratou, no último ano, consultoria para analisar a acessibilidade arquitetônica da Escola e propor as adequações necessárias para receber pessoas com deficiência em suas formações. Neste ano, é prevista outra consultoria para contratação de empresa especializada em diagnóstico e estruturação de serviços em acessibilidade, diversidade e inclusão para a Enfam.
Um dos pontos mais elogiados pela juíza Rebecka é a abordagem inovadora da Enfam em sua formação, com metodologias ativas que foram aperfeiçoadas por meio da cooperação com as Nações Unidas. Ela ressalta que, embora os magistrados estudem para o concurso, estudar uma norma escrita é diferente de ouvir histórias, e a formação realizada na Enfam reforça a ideia de que julgar não é apenas aplicar a lei, mas entender o contexto humano. “Quando você julga um roubo, você não está julgando só um roubo. Você está julgando quem praticou o roubo e em que circunstâncias praticou o roubo. A minha conclusão é: para você julgar um ser humano, você precisa sempre estudar o ser humano.”
Mais conscientização e apoio
Apesar dos avanços, a juíza argumenta que, mesmo existindo 18 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, o tema ainda carece de voz suficiente em espaços de poder e formação de opinião. “A vulnerabilidade é agravada, são temas que ainda não são abordados, para ser honesta, mas precisam ser”, enfatizou. A boa notícia, segundo a magistrada, é a recepção positiva no Judiciário: “Depois de conhecer o Judiciário, eu não tenho visto nenhuma resistência a essa abordagem. Pelo contrário, é um assunto que está começando a ser dito e as pessoas formadoras de opinião estão querendo dizer isso”.
A jornada de Rebecka continua a ser um desafio diário. No entanto, sua mensagem é de resiliência e gratidão: “Haverá dificuldades. Isso é inevitável, mas tentem, tentem realizar seu sonho. Vale a pena estar do outro lado. Vale a pena”. A juíza também faz questão de reconhecer o apoio inestimável de sua mãe, a quem descreve como uma “fortaleza sobre-humana”. E complementa: “Minha mãe me empurra, minha mãe me espera. Ela se colocou no meu lugar e se tornou meus braços e minhas pernas. E só por isso eu cheguei aqui”.