Marcelo Poni, da Unicamp, descarta extinção da Justiça do Trabalho e diz que relações de trabalho já são muito flexíveis no Brasil

Desembargadores e juízes da 8ª Região tiveram nesta terça-feira, 18, uma prévia do Curso de Especialização em Economia do Trabalho para Magistrados e Servidores Públicos do Instituto de Economia/Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade de Campinas (Unicamp), que será ministrado ao longo de dez meses, em 2013, na Escola Judiciária […]

marcelo proniDesembargadores e juízes da 8ª Região tiveram nesta terça-feira, 18, uma prévia do Curso de Especialização em Economia do Trabalho para Magistrados e Servidores Públicos do Instituto de Economia/Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade de Campinas (Unicamp), que será ministrado ao longo de dez meses, em 2013, na Escola Judiciária (Ejud) do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Belém, com um total de 360 horas-aula. Uma apresentação do curso foi feita pelo professor doutor da Unicamp Marcelo Weishaupt Proni, que ministra no Instituto de Economia da Unicamp as disciplinas de Desenvolvimento Econômico; Mercado de Trabalho e Políticas Públicas. Na ocasião ele deu a seguinte entrevista para a equipe de comunicação social do TRT da 8ª Região:

Quais as mudanças no capitalismo que precisam ser compreendidas por quem cuida das relações trabalhistas?

As transformações no mundo em que a gente vive têm sido muito rápidas nos últimos anos e a crise econômica recente abalou aquela tendência em longo prazo de transformação das relações de trabalho, do surgimento de novas ocupações. O mundo do trabalho está em transformação porque se tem novas tecnologias, porque os arranjos políticos-institucionais vão mudando, porque a força ou fragilidade dos sindicatos em cada lugar varia com o tempo, as estratégias de concorrência das empresas vão mudando. O movimento demográfico também influencia.

A crise na Europa aumentou em muitos países a influência do Estado na economia. Como ficam os teóricos da não-intervenção do Estado?

Quando veio a crise, a primeira ideia que foi levantada é a de que alguns grupos empresariais são muito grandes para falir. O Estado não pode deixar quebrar a indústria automobilística, grandes bancos, indústrias. O Estado procura defender determinados interesses e mesmo os grandes grupos necessitam da ajuda do Estado, até para concorrer com grandes grupos de outros países. Os elos mais fracos sempre saem perdendo. Por isso, é preciso ter força na sociedade para defender as instituições democráticas, as instituições que prezam pela proteção social, pela segurança do cidadão; e no caso das relações de trabalho, se você desregula, se deixa a lei da selva, que é a lei do mais forte, as consequências sociais são muito fortes. É só ver o que está acontecendo em muitos países, em que o desemprego está muito grande, os jovens estão se revoltando porque não têm futuro, não tem perspectiva. A ausência de Estado leva a uma insegurança e em última análise a uma desorganização social completa.

Então o discurso da não intervenção do Estado é uma utopia tão grande quando o do controle total pelo Estado?

É um discurso ideológico que é repetido várias vezes, obviamente porque interessa a determinados grupos, que ficam incomodados com a presença do Estado regulando ou fiscalizando ou tentando corrigir desequilíbrios.

Qual o futuro da Justiça do Trabalho diante de propostas de flexibilização das leis trabalhistas? Ainda há quem fale na fusão da Justiça do Trabalho com a Justiça comum?

Há muitos países do mundo que não têm uma Justiça especializada nas relações de trabalho como temos no Brasil. A Justiça do Trabalho como existe no Brasil existe em alguns países, mas não em todos. Esse discurso da incorporação da Justiça do Trabalho pela Justiça comum já foi aventado várias vezes e eu espero que a gente consiga várias alianças com setores da sociedade que saiam em defesa da Justiça do Trabalho, porque é na minha opinião um ator fundamental, dado o quadro da realidade socioeconômica do País. Mudar a forma como o Estado lida com essa questão, não só desregulamentando, mas em última análise extinguindo a Justiça do Trabalho, seria algo assim de consequências impensáveis para mim. Não vejo condições.

Como o senhor vê a opinião da sociedade sobre a Justiça do Trabalho, por exemplo, com relação à celeridade?

Tenho conversado com sindicalistas, empresários, gestores públicos e as opiniões a respeito da Justiça do Trabalho podem variar, mas em geral todos têm um respeito muito grande pela Justiça do Trabalho, pelas pessoas que trabalham. Acho que ao longo do tempo, os juízes, os promotores do Trabalho, nos últimos 20 ou 30 anos, têm construído uma imagem muito positiva na sociedade. Hoje, existe uma reação dos setores mais liberais no sentido de restringir as ações do Ministério Público do Trabalho e enquadrar a ação da Justiça do Trabalho. Eu espero que essas instituições tenham bastante força para resistir e continuar atuando de uma forma progressiva.

A flexibilização das leis do trabalho pode ser uma solução para as reclamações dos empresários sobre altos encargos e carga tributária elevada?

As relações de trabalho no Brasil já são muito flexíveis. A legislação, eu não sou jurista, não poderia opinar do ponto de vista técnico, mas acredito que em alguns aspectos poderia melhorar para se tornar um pouco mais ágil, um pouco mais simples. Agora, a espinha dorsal da CLT tem um princípio protetivo que é fundamental e que se quebrar a espinha, passar do ponto, vai perdendo o sentido, porque existe uma razão muito grande para que a legislação predomine sobre a negociação. Então, esse discurso em favor de flexibilizar a legislação, os direitos do trabalho, é muito perigos, mas a gente ouve falar disso há bastante tempo e temos observado uma capacidade grande de resistência pelos setores que entendem a importância do direito do trabalho no Brasil.

Como o senhor vê o nível dos salários no Brasil?

Depende de que país se está comparando. Se compararmos com alguns países da Ásia, o salário aqui é mais alto, mas o custo de vida em um país como a China é muito mais baixo. Quando se compara com Países mais desenvolvidos, nosso nível salarial ainda é muito baixo.

Qual a razão do baixo crescimento da economia nos últimos anos?

A crise internacional afetou mesmo a economia brasileira, não tem como negar. Aquela ideia de que a gente era uma ilha de prosperidade num mundo turbulento não é verdade. Nos últimos anos acabou afetando. Acho que o governo tomou as medidas para que a crise não se aprofundasse aqui, mas houve uma certa limitação no sentido de fazer a economia retomar uma taxa razoável de crescimento. Nos próximos dois anos, eu acredito que a economia brasileira vai voltar a crescer mais fortemente. Inclusive, temos um fator político, os governadores dos estados precisam, nos dois primeiros anos, segurar um pouco, pisar no freio, pôr ordem na casa. Nos dois anos seguintes, é a vez de gastarem, para se legitimar. Acho que nos próximos anos o P AC vai deslanchar mais, os programas do Governo Federal e o investimento público estadual vão crescer. Alguns setores vão ser obrigados a investir também. Acho que nos próximos dois anos teremos uma taxa de crescimento maior do que foi nos últimos dois anos.