A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em colaboração com o Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), realizou na segunda-feira (8/11) a sétima aula do “Ciclo de estudos: controle judicial da atividade policial”. Nessa edição, o tema central foi “Racismo e repressão: a atuação da magistratura na redução da seletividade racial”.
Os expositores discutiram as falhas do Estado na permanência do preconceito racial
A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), em colaboração com o Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), realizou na segunda-feira (8/11) a sétima aula do “Ciclo de estudos: controle judicial da atividade policial”. Nessa edição, o tema central foi “Racismo e repressão: a atuação da magistratura na redução da seletividade racial”.
A mesa de debates foi presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves. Ele afirmou que sua presença no evento estava para além de coordenar a aula. “Diante de tantas atividades doutrinárias, acadêmicas e institucionais, eu só aprendo e, mais uma vez, estou aqui para adquirir conhecimento”, afirmou o magistrado.
O tema central foi dividido em dois painéis, cujos subtemas foram “Racismo e polícia ostensiva” e “A democratização da polícia brasileira”, ministrados pela juíza federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) Adriana Cruz e pelo coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) Ibis Pereira, respectivamente.
Racismo e polícia ostensiva
“O Brasil é um país racista, todos nós somos racistas, temos um olhar racista sobre o mundo e o nosso grande desafio é desconstruir esse racismo no qual todos nós fomos imersos.” Foi com essa afirmativa que a juíza do TRF2 Adriana Cruz abriu sua explanação, que trouxe reflexões diretas sobre o Direito Penal – que em sua concepção é o campo da Justiça que mais explicita a discriminação racial – e sobre a percepção dos jurisdicionados quanto à atuação da magistratura. Em sua arguição, a juíza questionou quais são os critérios e recursos que orientam a atividade repressiva do Estado e se o direcionamento está atento às condutas que mais violam os interesses da sociedade ou se está voltado àqueles que “possuem um carimbo” de periculosidade e que, portanto, devam estar suscetíveis a maior controle.
“Basta que a pessoa tenha uma pele negra e habite um determinado espaço da sociedade que o Estado de Direito para ela fica suspenso. No Rio de Janeiro – mas isso vale para várias localidades do Brasil –, está naturalizada, por exemplo, a invasão de domicílios em determinadas comunidades”, enfatizou a juíza federal.
A magistrada ainda discorreu sobre possíveis levantamentos das grandes operações policiais nos últimos anos envolvendo crimes de corrupção, destacando que elas se concentram nos bairros de classe alta da cidade, e complementou: “A sociedade precisa do Judiciário para punir com limites, dentro dos marcos que nós escolhemos para viver com civilidade. Se estamos advogando a favor de quem está atuando à margem da lei, estamos então trabalhando contra o nosso próprio emprego”, arrematou.
A democratização da polícia brasileira
Ao abordar o segundo tema da noite, o coronel da PMERJ Ibis Pereira lembrou o quanto é desconcertante falar sobre a desafio de democratização da polícia brasileira em 2021. O policial entrou na corporação em 1983, período da redemocratização, e o tema já era discutido naquele momento. “O fato de o assunto ainda ser uma questão não resolvida talvez sinalize para uma tarefa de democratização do próprio Estado ou da constituição da democracia como um valor. A democracia ainda é uma abstração na vida de milhões de brasileiros. Eu creio que a violência e a letalidade policial são sintomas de uma democracia que ainda não tem valor efetivo”, lamentou o coronel.
O palestrante enfatizou que a democratização da polícia brasileira, segundo seus estudos, passa pelo desafio de se analisar o papel das instituições do Estado no que ser refere à promoção da dignidade humana. “Esse grande princípio fundamental estruturante de todos os órgãos da República deveria ser, também, o fundamento de todas as políticas públicas, inclusive das que se referem à segurança”, argumentou.
Segundo ele, esse desafio traz questões para reflexão, entre as quais destacam-se: como tornar a promoção dos direitos humanos um objetivo político concreto em uma temporalidade vincada pela disseminação da lógica de mercado; como prosseguir sustentando uma dignidade inerente ao homem como valor inegociável em um mundo onde nada parece escapar ao comércio; e qual é o lugar do humano em uma sociedade onde tudo está passível de se transformar em mercadoria.
Acesse aqui a íntegra da aula disponível no perfil da Enfam no YouTube.