Segundo dia do I Congresso Internacional Jurisdição em Fronteiras debateu Meio Ambiente

Desenvolvimento sustentável em fronteira, desenvolvimento regional, rota bioceânica, povos e comunidades tradicionais foram temas do painel principal

Especialistas em desenvolvimento sustentável em fronteira, desenvolvimento regional, povos e comunidades tradicionais e rota bioceânica participaram, nesta quinta-feira (10/11), do segundo dia do I Congresso Internacional Jurisdição em Fronteiras, no painel II: Ambiental. Na abertura, houve apresentação artística do grupo Moinho Cultural de Corumbá.

A mesa, presidida pelo secretário-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Jorsenildo Dourado do Nascimento, contou com a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin, do desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/MS) Marcelo Câmara Haslam, do pesquisador do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA) Patrick de Castro Cantuária, do indígena Guarani-Kaiowa Tonico Benites e do pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Luiz Orcírio Fialho de Oliveira.

Desenvolvimento Sustentável em Fronteira
O ministro Herman Benjamin iniciou sua fala abordando as questões ambientais ao citar o exemplo do Pantanal do Mato Grosso do Sul e suas águas, que, na maior parte, nascem no estado vizinho, o Mato Grosso. “Não há como proteger o Pantanal sem integrar e proteger as cabeceiras dos rios e essa gigantesca bacia hidrológica. Nós estamos tratando de uma categoria de sujeitos vulneráveis, numa perspectiva coletiva, e não individual. As cabeceiras de alguns rios não estão sequer no Brasil, por isso a importância da cooperação internacional e da integração legislativa e de todo o Poder Judiciário”, ressaltou o ministro.

Herman destacou ainda a importância da formação dos juízes com foco na resolução de problemas práticos, momento no qual parabenizou o diretor-geral da Escola, ministro Mauro Campbell Marques, bem como o secretário-geral pelo trabalho realizado na Enfam e o compromisso da instituição com as formações voltadas à prática jurídica. “Esses cursos que a Enfam oferece têm essa preocupação. Eles precisam ser voltados para a realidade prática, para as dificuldades diárias que os juízes enfrentam. Cursos que nascem da base para cima, e a Escola tem essa preocupação. Essa prática precisa também ser compartilhada pelas escolas judiciais”, afirmou. Benjamin ressaltou, como ponto positivo, o uso da tecnologia para permitir que juízes participem de eventos e formações a distância, através da utilização de plataformas digitais.

O desembargador Marcelo Câmara Hasslan enfatizou a necessidade da formação para subsidiar as decisões dos juízes na seara ambiental. “Os problemas existem, e, para ajudar a solucioná-los, é necessária a formação dos magistrados com relação ao direito ambiental. Especialmente porque, na área ambiental, qualquer decisão que tomamos parece contrária à sociedade, que está mais preocupada com a parte econômica do que com a sustentabilidade”, disse.

Desenvolvimento Regional
Patrick Cantuária trouxe o tema Desenvolvimento Regional e a Fronteira no Amapá – ponto de integração e abordou as desigualdades regionais e urbanas. De acordo com ele, as desigualdades impactam diretamente as regiões menos dinâmicas, que terão suas oportunidades de crescimento pessoal e profissional limitadas em razão do baixo acesso à educação, à saúde e ao emprego de qualidade.

Cantuária defendeu o uso sustentável dos recursos de sociobiodiversidade, o turismo de base comunitária e o pagamento por serviços ambientais como possíveis geradores de recursos e uma forma de sustentabilidade. Ressaltou, ainda, a necessidade de respeitar as particularidades regionais. “Não podemos tratar de forma igual, por exemplo, estados como São Paulo e Amapá. As estratégias de desenvolvimento aplicadas são muito parecidas, e há de se ter uma particularidade”, defendeu.

Povos e Comunidades Tradicionais
Tonico Benítez, indígena Guarani-Kaiowá, falou sobre os povos e as comunidades tradicionais e explicou que, historicamente, as decisões judiciais foram e são vitais para garantir a efetivação dos direitos indígenas. De acordo com ele, as decisões são fundamentais para a defesa do meio ambiente e, graças a elas, as comunidades e os povos indígenas têm conseguido reorganizar suas vidas e ter acesso à água – o que muitas vezes só é possível a partir de uma ordem judicial.

Além disso, ele mencionou as resoluções recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e defendeu como urgente a implementação delas. “Estamos falando de territórios vivos, de povos invisíveis conhecidos de forma distorcida e superficial, o que gera um problema. Juridicamente, os direitos indígenas estão elencados na Constituição, mas, na prática, isso não acontece. Precisamos que o direito seja efetivado na prática. Quero elogiar várias decisões judiciais em defesa da vida e da coletividade, mas quero pedir também que todos estes direitos sejam postos em prática. Finalizo depositando grande esperança na justiça”, disse Benítez.

Rota Bioceânica
O pesquisador da Embrapa Luiz Orcílio Fialho de Oliveira apresentou a Rota de Integração Latino Americana (RILA), ou Rota Bioceânica, um corredor rodoviário com extensão de 2.396 quilômetros, que pretende ligar o Oceano Atlântico aos portos de Antofagasta e Iquique, no Chile, passando por Paraguai e Argentina. Uma alternativa ao Porto de Santos (SP), encurtando a distância e o tempo para as exportações e importações brasileiras entre mercados potenciais na Ásia, Oceania e Costa Oeste dos Estados Unidos. No Estado deMato Grosso do Sul, a rodovia atravessa a parte sul do Pantanal.

“A integração permitirá a melhoria do transporte do mercado de grãos, importação de semicondutores, desenvolvimento regional, intercâmbio social, cultural e investimento em turismo, entre outros”, explicou Luiz, que defendeu a importância de o poder público destinar atenção aos impactos ambientais e regionais.

A manhã seguiu com oficinas, nas quais foi possível aprofundar os temas. As apresentações estão disponíveis no canal da Ejud-MS no YouTube.

Vulnerabilidade na fronteira
Na parte da tarde foi apresentado o painel III: Grupos Vulneráveis em Fronteira, presidido pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo da Fonseca, tendo como debatedor o desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul Vilson Bertelli. Os tópicos abordados foram O Contexto dos Imigrantes Infantes e Adolescentes sob o Olhar de seus Direitos Fundamentais Sociais; Atendimento às Crianças e Adolescentes em Fronteira: a experiência da imigração venezuelana; A Situação dos Refugiados em Região de Fronteira; e Fluxos Migratórios e Refugiados.

Participaram dos painéis os formadores Richard Pae Kim, juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Luís Augusto Bittencourt Minchola, consultor de Proteção à Criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Boa Vista (RR); Pablo Mattos, representante do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR); e, de forma on-line, Handerson Joseph, professor doutor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O presidente da mesa, ministro Reynaldo da Fonseca, falou sobre o aumento da população vulnerável e defendeu o que chamou de constitucionalismo global, fraternal ou altruísta. “Nos últimos tempos, seja por razões políticas, econômicas, geográficas, seja por conta da pandemia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o mundo registrou cerca de 281 milhões de migrantes internacionais, o que faz com que a gente reflita. A nossa Constituição preconiza valores e princípios que encaminham a sociedade para valores de inclusão. Nada melhor que o tripé Liberdade, Igualdade e Fraternidade para reclamarmos os direitos de estarmos onde quisermos. É indispensável essa nossa preocupação com este viés do tema que é o resgate de algo esquecido”, defendeu ele.

Ainda no período da tarde, formadores realizaram oficinas sobre Documentação e Condições Migratórias em Região de Fronteira; Crianças e Adolescentes em Situação de Imigração Emergencial (refúgio) e Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes Transfronteiriços. O capitão de Mar e Guerra do 6º Comando do Distrito Naval da Marinha do Brasil Leandro Faria de Matos palestrou sobre A Geopolítica e a Oceanopolítica Corrente Internacional: desafios e oportunidades para o Brasil.

Durante toda a Conferência, artesãos locais se reuniram numa feira, especialmente montada para o evento, na qual foi possível apreciar a arte e cultura locais. Os participantes também puderam conhecer o Navio de Assistência Hospitalar Tenente Maximiano, responsável por realizar atendimento médico e odontológico à população pantaneira.