Um olhar mais atento ao direito de sonhar de crianças e adolescentes no Brasil

O webinário “Um olhar mais atento ao direito de sonhar de crianças e adolescentes no Brasil”, ocorrido na sexta-feira (1º/10), reuniu magistrados que são referência na área da infância. O evento, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), foi conduzido pelo coordenador acadêmico da escola e desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Samuel Meira Brasil Júnior.

Durante o evento, foi lançado o book “Castelo dos Sonhos: a adoção pelo olhar de Aninha”, como presente a todas as crianças e adolescentes do Brasil.

O webinário “Um olhar mais atento ao direito de sonhar de crianças e adolescentes no Brasil”, ocorrido na sexta-feira (1º/10), reuniu magistrados que são referência na área da infância. O evento, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), foi conduzido pelo coordenador acadêmico da escola e desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Samuel Meira Brasil Júnior.

“É com muita alegria e honra que participo deste webinário com assunto tão sensível, bonito e marcante e, acima de tudo, tão necessário neste momento em que estamos vivendo”, disse o professor ante de passar a palavra à primeira conferencista, a vice-coordenadora acadêmica do Mestrado da Enfam e desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Taís Schilling Ferraz.

Conferência

Ao discorrer sobre o tema “Um olhar mais atento aos direitos das crianças e adolescentes”, a desembargadora federal Taís Schilling Ferraz trouxe informações acerca do período em que atuou como presidente da Comissão da Infância e da Juventude do Ministério Público Federal (MPF), exatamente no momento em que o órgão iniciava suas inspeções periódicas nas unidades socioeducativas e nos serviços de acolhimento.

A magistrada apresentou informações sobre a política nacional do MPF, que direcionou o olhar sobre os abrigos, casas-lares e aos serviços de acolhimento familiar nos anos de 2013 e 2014. O período, segundo a desembargadora, foi marcado por um esforço para cessar a ideia de orfanato e internato e substituí-los por espaços onde as crianças vítimas de negligência, abandono ou sujeitas à violência pudessem ter convivência mais segura e com aspecto familiar.

“O Ministério Público foi em busca dos serviços já estruturados e constatou o quanto ainda era incipiente o uso de casas-lares. Na maior parte do país ainda se usava o modelo mais antigo, com instituições maiores. Tenho acompanhado a questão e verificado que tem melhorado, mas ainda temos muitos espaços em que as crianças ficam sem a oportunidade de ter um convívio mais próximo com o modelo familiar”, disse a magistrada.

Serviços de Acolhimento

“Temos algo a comemorar nos serviços de acolhimento existentes no Brasil?”. A interrogação foi respondida pelo docente do Mestrado Profissional da Enfam e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), Marcus Vinícius Pereira Júnior, que abriu sua exposição afirmando que há ações a serem comemoradas sim e, para exemplificar, apresentou a inauguração da Nova Casa Irmã Ananília, localizada no município de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, em março deste ano. Antes, a instituição, fundada há quase três décadas, funcionava em um prédio pequeno e com pouca estrutura e era mantido com a ajuda de pessoas sensibilizadas com a situação das crianças. A história começou a mudar a partir de 2010, com a chegada do juiz Marcus Vinícius à Comarca local.

A nova casa foi construída com recursos oriundos de transações penais. A ideia teve o apoio da comunidade e contou com o serviço de apenados, policiais militares e colaboração do Poder Executivo, que não ajudou nas custas da obra, mas teve participação importante na concretização da edificação. A casa-lar recebe as crianças, cuida, promove educação, assistência à saúde, oferece apoio psicológico e zela por outras ações com vistas a reintegra-las à sociedade, seja colocando-as de volta à família ou buscando pessoas dispostas à adoção.

“Hoje, o município de Currais Novos é um dos mais seguros do estado do Rio Grande do Norte e tem o fundo da infância e da adolescência funcionando de maneira efetiva. Agora, podemos trabalhar de maneira mais tranquila, com uma satisfação enorme em ver que os atores do sistema de garantias de direito unidos podem, sim, juntamente com as nossas crianças e adolescentes, modificar essa realidade”, comemorou o juiz.

Sistema socioeducativo

Em continuidade aos trabalhos, a discente do Mestrado Profissional da Enfam e juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Cláudia Catafesta, tratou de responder ao questionamento: “Temos algo a comemorar no sistema socioeducativo no Brasil”? Sua apresentação explicou o que foi o percurso da doutrina da situação irregular à proteção integral. Ela relembrou como eram tratadas às crianças e adolescentes antes da Constituição de 88, recordando a história da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Fenabem) e da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).

“É triste relembrar deste momento da história do Brasil, cujos nomes não condiziam com a prática. As instituições faziam parte de uma política, criada no Governo Federal à época da Ditadura, em 1964, que, na verdade, volta-se para uma cultura de higienização, de retirar os meninos da rua, tanto crianças que não tinham cometido delitos e atos infracionais quanto os adolescentes que haviam cometido infrações”, relembrou a juíza.

A magistrada assim sintetizou a doutrina da proteção integral: “Os filhos dos outros e os filhos de ninguém são nossa responsabilidade constitucional e moral. Mas sabemos que não é assim que funciona. A legislação é reconhecida internacionalmente por estar em conformidade com os direitos humanos e com a Convenção Internacional da ONU, mas o que ainda se vê, na prática, são imagens que rementem às antigas Febems”, lamentou a magistrada que não deixou de apontar caminhos para que as políticas possam avançar em direção a proteção integra l funcionar em todo país.

Adoção do direito de sonhar

A última exposição do webinário coube à integrante do Grupo de Pesquisa Métodos Consensuais, Justiça Restaurativa e Justiça Multiportas da Enfam e juíza de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Fernanda Yumi Furukawa Hata, sobre “A adoção do direito de sonhar”. A juíza partiu de uma confissão pessoal para tratar do tema. “Eu tinha dois sonhos na vida, ser mãe e ser juíza”. Como magistrada, Fernanda Yumi Furukawa Hata substituiu juízas em licença-maternidade que atuavam em varas da infância por diversas vezes, ocasiões que fizeram com que ela se aproximasse da realidade daqueles que esperavam por um lar.

A juíza relatou que, em 2019, foi habilitada como adotante, passando por um processo difícil, que envolve a convivência com a criança no abrigo. Ela e o marido adotaram duas crianças, um menino e uma menina, de 10 a e quatro anos, respectivamente. Fernanda Yumi Furukawa Hata compartilhou as suas impressões pessoais sobre a adoção. “Tenham muita atenção com os pais adotantes. Nós temos muitas expectativas, mas tudo que queremos é ser pai e mãe. Os pais precisam estar unidos no papel de serem pais, educar, colocar regras e amar, contudo, como as crianças tiveram um passado difícil, muitos têm dificuldade em criar as estruturas que serão a base para o desenvolvimento deles”, pontuou a magistrada.

Ela discorreu ainda sobre as expectativas das crianças que, segundo ela, não sabem exatamente o que é família e sobre a regressividade na etapa do desenvolvimento psíquico (comportamento e fala), quando a criança tentar recuperar vivências de outras fases da vida quando ainda não tinham um lar. “Ser mãe e pai tem a ver com vontade e dedicação, pois se não os filhos forem acolhidos no coração não há construção de família. Nada na minha vida foi tão sonhado”, finalizou a juíza.

E-book

Durante o evento, o juiz Marcus Vinícius Pereira Júnior lançou seu e-book “Castelo dos Sonhos: a adoção pelo olhar de Aninha”, ilustrado pela artista potiguar Assis Cosa, com apoio da Enfam, como presente a todas as crianças e adolescentes do Brasil.

O e-book parte da célebre frase de Gonzaguinha: “Eu fico com a pureza das respostas das crianças”. A obra infantojuvenil busca responder, com as palavras de Aninha, personagem principal, o que é a adoção. Nesse sentido, essa menininha sonhadora deseja mostrar, ao contar a história do seu castelo, o que é adotar, o que é família e o que é amor.