Universidade Federal da Bahia homenageia Cesar Asfor Rocha com comenda

Diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e decano do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Cesar Asfor Rocha recebeu hoje, em Salvador, a Comenda do Mérito Orlando Gomes, conferida pela Universidade Federal da Bahia e pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. César Rocha é o segundo jusrista […]

Diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e decano do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Cesar Asfor Rocha recebeu hoje, em Salvador, a Comenda do Mérito Orlando Gomes, conferida pela Universidade Federal da Bahia e pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. César Rocha é o segundo jusrista a ser homenageado com a honraria desde que ela foi criada. Concedida pela unanimidade dos membros da Congregação da Faculdade de Direito da UFBA, a honraria é prestada aos juristas de destaque.

Em agradecimento à reitora Dora Leal Rosa, ao professor Celso Luiz Braga de Castro e aos demais docentes da Universidade e da Faculdade, o diretor da Enfam ressaltou a admiração do povo brasileiro pela Bahia e pelos baianos. “Não foi acaso que o Criador aprumou as naus de Cabral para Porto Seguro”, salientou o ministro. Ressaltou que os valores cultuados na Bahia de Todos os Santos “agora se manifestam superiormente nesta solenidade universitária. No discurso, Cesar Rocha reverenciou Castro Alves, Jorge Amado e Dorival Caimmy, entre outros baianos ilustres, e disse estar consciente de ter recebido uma comenda que tem por patrono “um homem notável pelas suas virtudes cívicas e intelectuais”.

Presidente do Superior Tribunal de Justiça de junho de 2008 a setembro de 2010, Cesar Asfor Rocha foi professor da Faculdade de Direito da Universidade do Ceará, é mestre em Direito e portador dos títulos de Professor Honoris Causa e de Notório Saber Jurídico, ambos da Universidade Federal do Ceará, e de Doutor Honoris Causa, da Universidade de Fortaleza. É membro da Academia Cearense de Letras e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Também é autor de vários livros jurídicos e literários.

A seguir a íntegra do discurso de agradecimento do ministro Cesar Asfor Rocha:

“Todos os brasileiros, qualquer que seja a Região em que habitam, quando se referem à Bahia ou pensam na Bahia ou apenas ouvem alguém falar da Bahia, sentem-se perpassados por um inevitável movimento espiritual de simpatia e reverência, numa espécie de comunhão espontânea e total com este rincão do Brasil e com esta gente baiana que se impôs singularmente à admiração nacional como criativa e colorida, musical e coreográfica, realizando com perfeição o ideal humano e civilizatório de criar harmonias permanentes pelo trabalho produtivo entre os povos, lançar pontes de compreensão sobre divergências antigas e plantar felicidades e tolerâncias entre todas as culturas.

Não foi por acaso que o Criador aprumou as naus de Cabral para Porto Seguro, mas porque queria – Deus sabe tudo por antecipação e quer que tudo ocorra segundo os seus planos – que o berço mítico do Brasil tivesse a feição do litoral que Ele em pessoa caprichosamente desenhara, numa tarde de paixão e de arroubo romântico, em que a lembrança do Paraíso pousara suavemente no seu coração.

Mas quis ainda o Criador que aqui fosse o cadinho fervoroso da milagrosa e feliz mistura de nossas raças fundadoras, que aqui se nivelasse pelas medidas infinitas da fraternidade brasileira a vocação das nossas etnias para construir e fazer uma sociedade igualitária, livre de preconceitos e acolhedora de todos os credos teístas, cada qual prestando à sua divindade a sua forma peculiar de culto e lhe tributando a devoção de sua piedade.

Esses valores cultuados na Bahia de Todos os Santos agora se manifestam superiormente nesta solenidade universitária, quando o generoso espírito baiano me confere a Comenda do Mérito Orlando Gomes – insigne mestre civilista que tive a honra de conhecer e ouvir na Faculdade de Direito do Ceará, no seu Curso de Mestrado. Lembro-me de sua voz pausada e firme, o seu discurso jurídico erudito e primoroso, encantando a plateia com sapiência e cultura.

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Legítimo descendente das maiores excelências intelectuais da Bahia, o Professor Orlando Gomes se alteia como um dos mais acatados jus-civilistas do País, tendo elaborado vasta e profunda obra no domínio do Direito Civil, em estreita consonância com os avanços da doutrina estrangeira do seu tempo, e cujas lições são reproduzidas hoje em dia com assiduidade, o que vale como reconhecimento enaltecedor pelos seus pósteros; nascido e vivido nesta Cidade de São Salvador, o mestre Orlando Gomes completaria 101 anos de sua chegada a este mundo, do qual se ausentou há 22 anos, pedindo para ser lembrado simplesmente como um homem de bem, que foi tudo o que quis ser na vida, segundo ele mesmo declarou e podemos atestar que ele realmente o foi.

Nenhuma província do Direito Privado lhe foi estranha e soube apreender e ensinar, com raridade de talento, todos os aspectos desse universo jus-cognitivo, alcançando as áreas do estudo filosófico do Direito, das suas conexões com a Sociologia Jurídica e com a delicada seara do Direito Laboral, onde deixou contribuição imperecível; marxista teórico, experimentou a amargura da prisão política em Fernando de Noronha em 1937, sob o getulismo intolerante, e dirigiu em 1961 a Faculdade de Direito da UFB, quando externou a sua propensão para construir instalações físicas e implantar espaços destinados à cultura jurídica; a Academia de Letras da Bahia o recebeu em 1968 como um dos seus destacados membros e foi co-fundador da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.

Dono da arte de falar com eloquência e exímio na de escrever, o Professor Orlando Gomes instilava sutilmente nas suas preleções impecáveis o linguajar delicioso da nossa regionalidade nordestina e do sotaque identificador de nossa alma aberta ao diálogo, ao debate franco e às coisas da inteligência.

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Não posso deixar de comparar Orlando Gomes aos outros gigantes da intelectualidade desta terra e peço licença para recordar o Imperador da Língua Portuguesa, que foi assim que Fernando Pessoa denominou o jesuíta Antônio Vieira; para lembrar o irreverente Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno, com a sua sátira afiada e cortante e seu anticlericalismo militante, dominando o espaço intelectual da Bahia, na época colonial; Castro Alves, sensível e revolucionário, tonitruando o seu discurso condoreiro em prol dos escravos e celebrando heroicamente o 2 de Julho e a pugna imensa travada nos cerros da Bahia, onde o Anjo da Morte estendia uma vasta mortalha em Pirajá; e o nosso contemporâneo Jorge Amado, senhor do romance baiano, que não falava para os ouvidos, senão para as almas, criador de Teresas apaixonadas, dos Velhos Marinheiros e celebrador de tudo o que a Bahia tem de vasto e de humanamente emocionante, e João Ubaldo Ribeiro, cronista bem humorado e profundo das coisas do Brasil.

Trago também os poetas musicais, como Dorival Caimmy, com seu João Valentão, que é brigão, que não presta atenção e nem pensa na vida … mas que nunca precisa dormir pra sonhar; Gilberto Gil, que traça seus próprios caminhos pelo mundo pois a Bahia já lhe deu régua e compasso; Caetano Veloso, perguntando que mistérios tem Clarice, por guardar-se assim tão firme no coração … com o corpo, que não mostrava, feito de advinhação … com os botões sempre fechados, Clarice tinha o recato de convento e procissão.

Quero me ater aos corifeus da Ciência Jurídica do Brasil e não há nome mais ilustre do que o de Rui Barbosa, o Pai da Constituição de 1891 e o patriarca do Direito Público no Brasil, ao lado de Teixeira de Freitas, o rival de Clóvis Beviláqua nos meandros do Direito Civil; Calmon de Passos, irrequieto e mordaz, baiano até a gema e grande doutrinador do nosso Processo Civil; Adalício Nogueira, Arx Tourinho, Eduardo Espínola, Machado Neto, Pedro Calmon, Muniz Sodré, Almáquio Diniz, Lafaiette Pondé e Josafá Marinho, para citar apenas estes luminares que a memória me socorre. E os muitos de agora, que homenageio nas pessoas de Paulo Furtado, Edvaldo Brito e Celso Luiz Braga de Castro, de cuja amizade muito me orgulho e conduzo bem guardada em meu coração.

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Magnífica Reitora Professora Dora Leal Rosa; eminente Professor Celso Luiz Braga de Castro, talvez Vossas Excelências não saibam, mas eu sei o quanto esta comenda me significa em honraria e me acrescenta em reconhecimento; sei que para me atribuírem a Comenda do Mérito Orlando Gomes o meu nome passou por crivo rigoroso e austero – e isso mais me honra, ademais por seu esta apenas a segunda vez que é concedida – e sei também que o meu trabalho como Presidente do STJ teve um peso especial na sua avaliação; Magnífica Reitora, quisera que o Professor Orlando Gomes nos estivesse ouvindo ao vivo – e não pelos seus ouvidos eternos – para que ele também soubesse que o Judiciário do Brasil passa por uma renovação que tem vocação para a permanência, algo assim como o que Karl Marx dizia da Revolução Francesa – escute Professor Orlando, um autor que foi do seu agrado – que a Burguesia pôs em movimento, com as suas palavras mágicas Liberdade, Igualdade e Fraternidade, potências poderosíssimas que não podem mais ser contidas.

Eficácia da jurisdição, celeridade processual e inclusão social pela justiça são as palavras de ordem da revolução silenciosa do Judiciário, que puseram em ação forças criadoras e criativas que não podem mais ser vencidas pela inércia, pelo conformismo e pela indiferença; hoje, Professor Celso Luiz Braga de Castro, a nossa justiça está informatizada e virtualizada e os ganhos dessa mudança já são percebidos pelos destinatários do sistema judicial, que têm mais cedo as soluções de suas justas demandas; nem lhes falarei agora das economias em tempo, recursos financeiros, espaços e árvores – estas que deixaram de ser abatidas para a produção do papel que se tornou desnecessário – mas lhes digo que os números e as estatísticas são impressionantes e não vou especifica-los para não trazê-los enfados.

Magnífica Reitora, eminente Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, estou cônscio que recebo uma comenda que tem por patrono um homem notável pelas suas virtudes cívicas e intelectuais, um homem de bem que pode ser apontado como exemplo ou espelho, e ao lhes agradecer e à Universidade Federal da Bahia e à sua Faculdade de Direito esta honraria altíssima, me comprometo ao esforço de estar à altura dessa distinção, prometo empenho na arte de baianizar-me pela assimilação dos seus valores e dos valores da sua cultura tão rica e tão autêntica.

Quero agradecer-lhes, Senhoras e Senhores, a festa extraordinária que esta solenidade representa para o meu espírito, o incentivo e a força que agora me dão, o reconhecimento que expressam na outorga desta comenda, e as palavras generosas de Humberto Martins, excepcional magistrado, amigo diletíssimo, que sofre comigo das mesmas dores diárias de fazer um judiciário mais célere, acessível, próximo dos excluídos e distribuidor de justiça.

Finalizo celebrando Jorge Amado, nessa expressão que mostra a origem dos verdadeiros sentimentos, veiculada através de Tereza Batista, a que, mesmo cansada de guerra, mantinha o coração sereno comose via pelos seus olhos sonhadores, a dizer, com a sabedoria dos simples, que bem querer não se compra nem se vende; não se impõe com faca nos peitos nem se pode evitar: bem querer acontece.

Assim também explico o meu antigo e inexedível amor pela Bahia: simplesmente aconteceu. E jamais desacontecerá”.