Desembargador Antonio Malheiros defende que juiz conheça “o gosto da lágrima das pessoas”

A segunda edição do curso de Iniciação Funcional de Magistrados começou de forma contundente e emocionante. Os 26 magistrados recém-empossados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que participam da iniciativa – uma promoção da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo (Enfam) – puderam conferir, […]

A segunda edição do curso de Iniciação Funcional de Magistrados começou de forma contundente e emocionante. Os 26 magistrados recém-empossados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que participam da iniciativa – uma promoção da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo (Enfam) – puderam conferir, logo de saída, uma arrebatadora palestra com o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Convidado pela Enfam para falar sobre o papel do Judiciário no combate às drogas, Malheiros expôs sua larga experiência no assunto contando casos chocantes, apresentando ideias ousadas e criticando de forma veemente a forma com o Executivo e o Judiciário tratam a questão do viciado, especialmente daqueles que são crianças e adolescentes.

O desembargador iniciou a palestra exaltando conhecimento teórico dos recém-empossados magistrados. “Vocês sabem muito em matéria de Direito. Sabem mais até do que a banca que os avaliou”, disse. Entretanto, Malheiros ressaltou a importância dos jovens juízes adquirirem outro tipo de conhecimento.

“Tem um livro que não está nem nas livrarias nem nas bibliotecas. Ele trata da poeira das ruas, do chão das favelas, dos pátios de internação, das solitárias das prisões, das áreas ocupadas por desvalidos… Esse livro é o livro da vida. Acredito piamente que o lugar do Judiciário é também nas ruas. É imprescindível que o magistrado conheça o gosto da lágrima das pessoas”, afirmou.

Falta de estrutura

Envolvido diretamente no enfrentamento da epidemia do crack em São Paulo, o magistrado afirmou existir 23 ‘cracolândias’ atualmente na capital paulista e disse ter sido uma iniciativa “burra” a desocupação da ‘cracolândia’ no centro da cidade pela Polícia Militar no ano passado – que, segundo ele, conta com 2 mil viciados, sendo 400 crianças e adolescentes. “Não se combate o crack com bala de borracha. Eles prenderam traficantes que são também usuários, o que é a mesma coisa que prender ninguém. Temos que chegar na fonte financeira do tráfico. É isso que resolve”, vaticinou.

Malheiros criticou o governo do estado por não prover estrutura adequada para receber e tratar os dependentes. Também foi enfático ao falar que o Judiciário sempre deixa as questões da criança e do adolescente “de lado”. “Tenho de ir pessoalmente á Assembleia Legislativa para batalhar por verbas para realizar o trabalho com os jovens.”

O desembargador, que disse ter frequentado a ‘cracolândia’ do centro de São Paulo por seis meses ininterruptamente, fez um relato dramático sobre as condições sociais, psicológicas e de saúde dos usuários – comumente portadores de tuberculose, pneumonia, aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. Afirmou que até um de seus colegas de faculdade acabaram vencidos pelo crack e foram parar nas ruas “como zumbis.”

Otimismo

Apesar do cenário desolador apresentado, o desembargador conclamou os 26 magistrados brasilienses a encarem a questão do crack de frente, cobrando do poder público os recursos e a estrutura adequada para o tratamento e cura dos usuários. Depois de falar que quase desistiu da batalha a que se dedica com tamanho afinco, Malheiros afirmou que a luta contra o crack “já valeu à pena, mesmo se der tudo errado.”

A Enfam disponibiliza em seu site a cartilha de combate ao crack elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que teve o desembargador Malheiros como um dos autores. Você acessa a cartilha clicando aqui.