Seminário discute dependência e uso medicinal de substâncias ilegais

“Políticas públicas e assistência à dependência química após dez anos da lei” e “Uso medicinal de substâncias proscritas” foram os temas debatidos no período da tarde no primeiro dia do seminário sobre os dez anos da Lei de Drogas, que se realiza nesta terça e quarta-feira no Superior Tribunal de Justiça (STJ), promoção da Escola […]

“Políticas públicas e assistência à dependência química após dez anos da lei” e “Uso medicinal de substâncias proscritas” foram os temas debatidos no período da tarde no primeiro dia do seminário sobre os dez anos da Lei de Drogas, que se realiza nesta terça e quarta-feira no Superior Tribunal de Justiça (STJ), promoção da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

Para tratar das políticas públicas de assistência à dependência química, o evento reuniu a subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (presidente da mesa); a coordenadora do Centro de Referência em Drogas e Vulnerabilidade Associadas da Universidade de Brasília, Andrea Gallassi; o presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL) e membro titular da Academia de Medicina de Brasília, Antônio Geraldo da Silva, e o presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas de Minas Gerais (CONEAD-MG), psiquiatra e homeopata Aloísio Andrade.

Segundo Aloísio Andrade, é preciso ter uma melhora significativa na lei porque o momento histórico atual é diferente de dez anos atrás. “A questão da dependência química é hoje o grande desafio da humanidade na segurança pública, na saúde, na psiquiatria e na assistência social. Então, o aperfeiçoamento da lei não é só necessário, como impositivo. E a perspectiva de ouvir tantas opiniões diferentes é importante porque para questões complexas como a dependência química não cabem soluções simples. Tem que ser escolhas adequadas, pertinentes, criativas e transformadoras”, ressaltou.

Uso medicinal

Os especialistas Sílvia de Oliveira Santos Cazenave, doutora em toxicologia e mestra em análise toxicológica; José Alexandre Crippa, médico psiquiatra e pesquisador da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, e o professor Norberto Fischer, pai de Anny Fischer, primeira brasileira autorizada judicialmente a importar derivado da maconha para uso medicinal, participaram da abordagem sobre uso medicinal de substâncias proscritas. A mesa foi presidida pelo ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca.

“Temos o olhar de especialistas, mas também da sociedade, na presença do professor Norberto Fischer. Isso demonstra que o Judiciário está aberto ao diálogo, com a participação da sociedade”, afirmou o ministro.

Reynaldo da Fonseca destacou que “nada na ciência é tão matemático, então tudo que tiver uma probabilidade positiva, deve-se ter o respaldo do estado e do Judiciário. Ambos devem se fazer presentes dentro das possibilidades, dentro da discussão científica, com base essencialmente na palavra técnica das ciências médicas”.

Norberto Fischer viveu o drama de ter de importar ilegalmente o canabidiol, medicamento derivado da maconha, para o tratamento da filha, portadora de uma síndrome que afeta o desenvolvimento neuropsíquico motor, uma epilepsia de difícil controle.

Para ele, há uma grande preocupação do estado em exercer controle para evitar que a pessoa faça uso indevido do canabidiol. “Essa burocracia acaba prejudicando as pessoas que têm pressa no uso do medicamento. Se conseguíssemos revisitar a Lei de Drogas com o olhar de saúde pública, de impacto social, talvez ela teria outros indicadores mais benéficos para o país”, salientou Norberto.

O pai vê hoje na judicialização a principal ferramenta para os avanços obtidos. “Um exemplo é o caso da Anny, porque se fôssemos esperar os trâmites normais, uma avaliação da Anvisa, a resposta seria negativa porque era proibido. Foi uma decisão judicial que nos permitiu usar o remédio. O papel do Judiciário é muito importante, e creio que vai provocar as mudanças na lei nesse sentido”, concluiu.

Os palestrantes Sílvia Cazenave e José Alexandre Crippa concordam que a Lei de Drogas precisa ser aperfeiçoada. Segundo Sílvia, “a lista de substâncias proscritas vai aumentando a cada ano. Não conseguimos acompanhar o número dessas substâncias, e muitas delas poderiam ser medicamentos, que sequer foram testados ainda, porque têm a proibição legal”, afirmou.

Alexandre Crippa ressaltou que “a lei pode ser aprimorada ou interpretada de forma a beneficiar as pessoas, mas sempre com o aval da ciência e com as pesquisas clínicas por trás. Então é algo que pode ser rediscutido. Por exemplo, o canabidiol era uma substância proscrita, hoje em dia já não é”.

Encarceramento e gênero

O último painel desta terça-feira, que teve o ministro do STJ Nefi Cordeiro como presidente de mesa, tratou da população prisional e da grande quantidade de mulheres envolvidas nesse sistema. Fernanda Bassani, doutoranda e mestra em psicologia social e institucional, psicóloga na Divisão de Saúde da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, trouxe para os participantes a temática da mulher no sistema penitenciário masculino, ou seja, a mulher visitante.

“Temos cerca de 622 mil pessoas presas no Brasil, últimos dados do censo de 2014, a quarta população carcerária do mundo. A nossa população é prioritariamente masculina, cerca de 96%. E 4% de mulheres”, ressaltou. Sua experiência profissional despertou o interesse em pesquisar o fenômeno da quantidade de visitas femininas nos presídios, muitas vezes deixando essas mulheres em condição vulnerável.

“Em Porto Alegre foi constatado que quatro a cada grupo de dez mulheres que visitam os presídios acabam se envolvendo com o tráfico de drogas. E não há política pública voltada para essas mulheres. A Lei de Drogas não cuida desse aspecto de proteção da mulher ou da família”, disse.

Para Fernanda, “há movimentos díspares sobre a descriminalização. O debate precisa amadurecer. Em termos de política pública tem que ser o homicídio o foco”, concluiu.

A cientista social Nathália Oliveira, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, destacou que no Brasil mais de 70% dessas mulheres são negras com baixa escolaridade, sem conclusão do ensino médio. Só uma mudança de lei, segundo ela, não consegue resolver o problema, pois tem que ser acompanhada de uma política de inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho e de programas sociais.

Ela concorda que “o tráfico de drogas deveria deixar de ser um crime equiparado ao hediondo, pois ele é conexo, não tem violência. Deve-se regulamentar algum tipo de conduta”, sugeriu.

O seminário continua nesta quarta-feira (26) a partir das 9h30. Veja a programação na página oficial do evento.

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